terça-feira, 30 de outubro de 2007

"OLHAI AS PIPAS NO CÉU"

Quase nem pude acreditar!Lá estava ela, gingando no céu, debaixo de um sol a pino. Será mesmo ela? Já faz tanto tempo que a perdi...

Não podendo conter-me em minha curiosidade, mesmo já estando pronto pra ir pra escola, com minha mochila nas costas, sai em disparada para o lugar onde imaginei estar quem a empinava . Muitas outras povoavam o céu naquele dia. Mas aquela era inconfundível. Eu a fizera com o meu primo Valter. O que a tornava impar, era o seu formato, suas cores vermelho e branco, a rabiola imensa e colorida.

Mal podia prever minha reação ao encontrar quem a apanhou naquele lindo dia que eu a inaugurava , quando, de repente um urubu desavisado emaranhou-se com a minha linha quebrando, junto com ela, a alegria de ver voando aquela obra de arte que levou dois dias para ser feita ( isso é uma eternidade em se tratando de pipas).

(As pipas são assim, nós as fazemos e depois , somos iludidos pela idéia de que somos donos delas. Elas, mesmo que nunca nos digam isso, sabem que seu dono é o vento. Basta ele soprar um sussurro no seu ouvido, e elas se atiram em seus braços. Não querem nem saber se a linha está na mão de quem a fez ou de um usurpador, lhes basta que estejam nos braços do vento. Que tolos que somos, quando achamos que somos donos de alguma coisa nesta vida... Aprendi isso com as pipas. Certamente, não estarei blasfemando ao dizer que, se Jesus fosse do meu tempo, certamente., como criança, se sentiria feliz empinando pipas. Depois, quando já fosse grande, diria aos seus discípulos: “Olhai para as pipas nos céus..” Sim, o Mestre faria aplicações fantásticas, utilizando-as.)

No céu, todas as outras planavam tranqüilas, mas ela? Ela não, ela gingava como quem queria chamar a atenção de todos. Especialmente a minha. Não foi difícil identificar quem a estava empinando, pois só aquele menino, fazia joguetes com a mão para vê-la gingando no céu.
Identificar o caçador da minha pipa trouxe um frio na minha espinha. Pinduca. Este nome era famoso. Um menino peralta que beirava a marginalidade. Quem via o seu tamanho, nem imaginava que naquele espaço coubesse tanta maldade. Se, em meio a uma daquelas briga naturais à idade, o outro corria, este atirava uma pedra que invariavelmente era certeira na cabeça. Algumas vezes, eu, ou meus irmãos, chegamos em casa com o sangue descendo pelo rosto.

Se a brincadeira era jogar pião, Pinduca era aquele que conseguia dar um fincão certeiro que, não poucas vezes, abria o pião do outro ao meio. Exibia-se, desafiando qualquer um, enquanto jogava seu pião ao ar e o aparava com a mão, levando-o depois para a unha. Em bolas de gude, suas tecadas certeiras fazia-o ganhar às centenas as gudes dos outros.

Tive um insight fantástico no momento. Lembrei que levava no meu bolso dinheiro pra merenda e, sem hesitar, cheguei perto de Pinduca e perguntei: Quer me vender esta pipa? Te pago x. Ele retrucou, querendo mais e eu insisti, afirmando que era tudo o que eu tinha. Pra minha alegria, ele me entregou o carretel e saiu contente com meu trocado.

Olhei pra ele enquanto se distanciava e, naquela minha mente de criança, mesmo sem um pensamento tão elaborado, pensei comigo algo do tipo: Que bobo, ele nem imagina o quanto ela vale pra mim, e do que eu seria capaz para tê-la de volta!

Ligeiramente enrolei aquela linha, trazendo-a pra junto de mim. Voltei pra casa, coloquei-a debaixo da cama e fui pra minha aula.

Nem precisa dizer onde estava meu pensamento durante toda aquela tarde. rsrsrsrs

11 comentários:

Sonia Sant'Anna disse...

Como diz aquele anúncio, tem coisas que não têm preço

Anônimo disse...

Rozilson, duas vezes mais. Essa sua experiência nao tem preco. E esse sabor de vitória duas vezes? Uma por tê-la feito e a outra por tê-la comprado. Assim como o Mestre que você citou. Uma por nos ter feito e a outra por nos ter comprado na Cruz.

Amei o post. Parabéns por ele.

Boa semana

Ludmila Prado disse...

somos como as pipas, bem que os pais falam criamos os filhos para o mundo, eles nos dão tudo, carinho, educação, dedicação, nos ensinam de em tudo, porém existem coisas que só aprendemos na marra, sozinho, com o mundo, apenas estando soltos no vendo, livres.
apesar disso é sempre bom voltar nos braços dos criadores, quem não gosta de um colo e um cafuné dos pais de vez enquando, o amor deles é incomparavel.


bjo

Paula Carolinny disse...

linny = pipa.

Luma Rosa disse...

“Olhai para as pipas nos céus..” isso foi ótimo e traduz fielmente o sentimento que carrega desde a tarde em reaveu sua pipa.
Comigo aconteceu algo terrível. Nós brincávamos com uma bola no sítio. Uma bola que apareceu por lá, estava em cima da estante no alto. Alguém chutou muito forte e ela entrou no rio, a correnteza levou e não teve como reaver. Voltamos tristes para a sede e ainda levamos uma lambada! A bola tinha autógrafos de jogadores premiados! :((((( Você poderia estar lá para dizer para o dono da bola, quão tolo ele era em achar que somos donos de qualquer coisa nessa vida! (rs*) Boa semana! Beijus

Lenissa disse...

Qualquer semelhança com o amor - não é mera coincidência...

Anônimo disse...

Estou esperando novo post por aqui.

Nao deixe a pipa voar.

Grande abraco

Luma Rosa disse...

Passando e deixando beijus

Fernanda disse...

Que história tão bonita,Rozilson! E que excelente saída para reaver a sua pipa! Uma boa lição!
Neste momento tenho aqui a minha filha a fazer um papagaio de papel, pediu-me ajuda agora para fazer o furo para a linha. Só porque está muito vento, mas este não voará é apenas uma folha A4, com desenhos, rssss...
Um abraço!

Unknown disse...

Opa, passei pra desejar uma ótima semana

Abraços

Ludmila Prado disse...

ta sumido ehm